Contava com oito ou nove anos de idade naqueles tempos de magia e já havia iniciado minha trajetória pelo grande Estado das Alterosas.
Ainda era apenas João mais especificamente Joãozinho, pequeno, magro e pretinho sai em busca das estradas de ferro, tinha fascinação pelas locomotivas, se Dom Quixote lutava com moinhos de vento pensando ser dragões, eu naqueles tempos tinha certeza de que enfrentava-os nas locomotivas a vapor e composições enormes de carga.
Eram monstros terríveis de domar, cai de cima deles uma dezena de vezes rolando mato a fora, mas em uma dessas minhas empreitadas de cavaleiro errante consegui subir e ficar firme no lombo do cuspidor de vapor e foi assim que cheguei ao meu primeiro destino de Navegante, Ribeirão Vermelho, foi lá que descobri o covil desses monstros horrendos, apitadores e fascinantes mas tão necessários para a integração das regiões naquela época.
Ribeirão Vermelho era uma pequena cidade localizada na bacia do Rio Grande, na região que hoje faz parte do Campo das Vertentes. Naqueles anos nem sabia o que era uma cidade, talvez Ribeirão Vermelho era apenas um lugarejo onde as feras haviam construído o covil. A viagem até lá foi duríssima lutava para me segurar no lombo da "fera de ferro" e de tempos em tempos ela soltava seu apito ensurdecedor. Durante essa viagem pela Estrada de Ferro Oeste de Minas pude observar que o "famigerado monstrengo de ferro" dominava diversas cidades e localidades que pareciam "pagar tributos" à fera para não serem devoradas, na minha inocência de menino achava que o monstro mantinha toda aquela sorte de estações para dominar as pessoas, mas na verdade promovia a integração e o progresso naquelas paragens.
Com o passar do tempo o cansaço da viagem bateu, me ajeitei no lombo do bichão e adormeci planejando como iria dominar e "destruir" o meu adversário. Acordei quando a cuspidora de vapor atravessava o Rio Grande, como um ser tão pesado conseguia transpor aquela grande quantidade de água e por cima de um trilhinho de nada. Olhando lá de cima da "serpente de ferro" pude visualizar o grande covil e estava repleto de feras e composições como aquela em que viajava clandestinamente. Avistava agora muitos homens que naquele momento e com o auxilio da minha grande imaginação pareciam escravos a servir o grande numero de dragões,mas na realidade eram apenas operários da EFOM (Estrada de Ferro Oeste de Minas).
Precisava com urgência libertar aqueles homens do domínio das locomotivas, o movimento no covil era intenso e quase nunca cessava, mas como eu tão pequeno conseguiria derrotar aqueles monstros devoradores de carvão e libertar os "escravos"? Enquanto a fera em que estava se aproximava do covil eu não sabia o que fazer, então resolvi me esconder dentro daquele abrigo monstruoso assim que ele se abrigasse.
O local era enorme, definitivamente não era obra dos homens, tinha o formato circular e parecia com uma grande arena, um "coliseu" onde esses titãs de ferro se recuperavam, descansavam e se preparavam para mais jornadas de dominação pelos trilhos de ferro entre as montanhas e campos das Minas Gerais. Me acomodei discretamente em uma especie de armazem de comida, em Minas chamamos de paiol. Estava cansado da viajem e precisava descansar, adormeci em maio a sacos de farinha, mantas de charque (carne seca) e sacos de feijão.
Continua.....
João dos Navegantes - Trecho do Livro 50 lugares de Minas
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