Causos da MPB – protestos dos anos 70


A década de 70 foi a redenção da Música Popular Brasileira, mesmo que desde o final da década de 50 ninguém poderia contestar a riqueza e força que as canções populares no Brasil pudessem exercer de forma impactante em todas as camadas de poder do povo tupiniquim.

Na década de 70, vivida sob a mão da ditadura e sob o fantasmagórico milagre brasileiro, juntaram a Chico, Gil, Caetano, Jobim e Edu Lobo (entre outros) os “modernos” Raul, Zé Ramalho, Belchior, Alceu, Ivan Lins, João Bosco, Fagner e Kleiton & Kledir, entre outros tantos.

A grande marca dessa galera toda foi, seguindo o embalo da moçada “mais velha”, metralhar de toda forma o sistema vigente da época, ora de modo direto ora indiretamente, com levar ao povo a angústia de ser povo em que nada dava certo, o horizonte não havia e o que restava era o sofrimento. Por ser de modo sutil e subjetivo e ser algo que não atingia substancialmente o governo, os órgãos da ditadura nem se atinavam pra isso. Na verdade, nem precisavam também, senão só teríamos músicas pachequistas e utópicas.

Muitos artistas surgiram e sumiram na década de 70, alguns caracterizados como músicos de uma música só. Aquela que faz um sucesso danado, vende não sei quantos elepês e, assim que surge uma nova faixa do artista, não dura nem uma semana no ar e o músico some por completamente da mídia.

Hermes Aquino com sua “Nuvem Passageira” e Sílvio Brito com seu “Pare o mundo que eu quero descer” foram um desses. Hoje, ainda aparecem por aí cantando as mesmas músicas. E, na onda, estas músicas também são de protestos e reclamações e sofrimentos humanos. “Eu sou nuvem passageira que como o vento se vai...” ou “...tem que pagar pra nascer, tem que pagar pra viver, tem que pagar pra morrer...”.

Raul Seixas, presenciando esse novo formato e vendo que existia um jeito fácil de fazer canção, resolveu escancarar (como ele mesmo dizia). Botou a boca no microfone e com seu jeito irreverente de sempre alertou: pra que esse sofrimento todo jogado em cima do cidadão brasileiro se o problema mais sério que se possa existir pra esse tipo de gente é se falta ou não galinha no seu quintal? Segundo Raulzito, o povo não estava querendo saber de falsas crises existenciais que sempre eram lançadas aos ouvidos pelos “novos” cantores de rádio.

Sei que sobrou até pra Belchior...




EU TAMBÉM VOU RECLAMAR
Raul Seixas/Paulo Coelho

Mas é que se agora pra fazer sucesso
Pra vender disco de protesto todo mundo tem que reclamar
Eu vou tirar meu pé da estrada
E vou entrar também nessa jogada
E vamos ver agora quem é que vai agüentar
Porque eu fui o primeiro e já passou tanto janeiro
Mas se todos gostam eu vou voltar

Estou trancado aqui no quarto de pijama
Porque tem visita estranha na sala
Aí eu pego e passo a vista no jornal
Um piloto rouba um mig, gelo em Marte – diz a Vicking
Mas no entanto não há galinha em meu quintal
Compro móveis estofados, me aposento com saúde pela assistência social

Dois problemas se misturam:
a verdade do universo e a prestação que vai vencer
Entro com a garrafa de bebida enrustida
Porque minha mulher não pode ver
Ligo o rádio e ouço um chato que me grita nos ouvidos:
Pare o mundo que eu quero descer!

Olho os livros na minha estante que nada dizem de importante
Servem só pra quem não sabe ler
E a empregada me bate a porta
Me explicando que tá toda torta e que já não sabe o que vai dar pra mim comer
Falam em nuvens passageiras, mandam ver qualquer besteira
E eu não tenho nada pra escolher

Apesar dessa voz chata e renitente
Eu não estou aqui pra me queixar e nem sou apenas o cantor
Eu já passei por Elvis Presley, imitei Mr. Bo Diddley
Eu já cansei de ver o sol de por
Agora eu sou apenas um latino americano que não tem cheiro nem sabor

E as perguntas continuam sempre as mesmas
Quem eu sou? Da onde venho? Aonde vou dar?
E todo mundo explica tudo:
Como a luz acende, como o avião pode voar
Ao meu lado um dicionário cheio de palavras que eu sei que nunca vou usar

Mas agora eu resolvi dar uma queixadinha
Porque eu sou um rapaz latino americano que também sabe se lamentar
E sendo nuvem passageira
Não me leva nem a beira disso tudo que eu quero chegar
E fim de papo!



Danilo Meiras

Um comentário:

Miro disse...

heheheh...bom de mais!
Uma espécie de "Conflitos" sonoros !