
Vinícius de Moraes é um cara que dispensa comentários. Por sua fabulosidade, seu magnetismo pessoal, sua inteligência e, claro, por seus poemas. Um boêmio assumido, preferia o uísque às outras bebidas. Mas não deixava o lado seresteiro e cantador de fora em suas inúmeras farras e festas noites adentro no longínquo Rio de Janeiro, onde a tristeza da gente era muito mais bela.
Garoto foi um violonista excepcional. Autodidata, escreveu inúmeras peças para violão além de participar da Rádio Nacional como sonoplasta humano, ou seja, acompanhava no instrumento à medida que aconteciam os atos no estúdio. E tudo isso ao vivo! Dizem que sua rica harmonização em “Duas contas” o credenciou como precursor da bossa nova. Garoto morreu em 1955, deixando muitas melodias à solta.
A fim de homenagear o violonista, Vinícius decidiu botar uma letra em uma melodia de Garoto. A escolhida foi Gente humilde. E assim que escrevia, o poetinha bebia seu uísque. E assim que terminara, Chico Buarque, outro artista que dispensa comentários, bate à porta querendo tomar uma cachacinha.
Chico entra - meio acanhado como é de costume, bebe uns tragos, conta alguns casos e ouve da boca de Vinícius:
- Chico, olha o que acabei de compor. A letra é em cima da melodia Gente Humilde de Garoto.
Chico lê atentamente e sente o coração disparar, pois acha a composição uma obra de arte. E ele não para de elogiar, ficando até um pouco chato. E sente uma ponta de inveja que Vinícius percebe. O mais negro de todos os brancos, acima de tudo, tinha um coração enorme, e fala pro amigo:
- Faz o seguinte, Chico, bota uma palavra qualquer aí e faz de conta que a composição é de nós três.
Claro que Chico aceitou. Mas não se sabe, até hoje, qual palavra foi colocada ou retirada ou, mesmo, se nada foi mudado. O certo é que na composição de Gente Humilde estão as assinaturas: Garoto, Vinícius de Moraes e Francisco Buarque de Holanda.
Gente humilde
Vinícius de Moraes/Chico Buarque/Garoto
Tem certos dias em que eu penso em minha gente
E sinto assim todo o meu peito se apertar
Porque parece que acontece de repente
Como um desejo de eu viver sem me notar
Igual a tudo quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem vindo de trem de algum lugar
E aí me dá uma inveja dessa gente
Que vai em frente sem nem ter com quem contar
São casas simples com cadeiras na calçada
E na fachada escrito em cima que é um lar
Pela varanda flores tristes e baldias
Como a alegria que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza no meu peito
Feito um despeito de eu não ter como lutar
Eu que não creio peço a Deus por minha gente
É gente humilde, que vontade de chorar
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