LATIM EM PÓ

Simplesmente tão inculta eu não sei falar

Flor é rosa, sínico que vem da China - não é fácil de aprender

Veio do Lácio, é latina, é fundamental

Tantas gírias, tantas siglas, tanta coisa pra decorar

É paródia, é prosódia, é latim em pó

Se eu soubesse qualquer coisa que me faça viver feliz sem ter raiz

O mundo fala coisas que eu não posso entender

É verdade ou é mentira mas é sempre carnaval

É Fernando, o Pessoa, a pessoa que me fez sorrir

Sinto um cheiro de uma onda de silêncio total em todas direções

Não é rima, é metonímia: leio sempre esse autor
Aconteça o que acontecer eu tenho que falar

"Amo-te assim desconhecida e obscura" - é tão fatal

É redução, onomatopeia, prefixação, sufixação

Tudo isso foi feito pra eu entender-me de vez

Anteontem eu me peguei falando inglês com um português

"Minha pátria é minha língua", eu sei disso e nem quero saber

É ter bom senso de um censo que procura regras para ouvir melhor

Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Damão

Timor, Macau, Guiné Bissau, Caboverde, Angola, Brasil

Influências mundiais é o logotipo desse sol

Com a fase arcaica, com fase moderna, com romanização

Em grosso modo, esboçamos modificações de um padrão

É o latim literário só escrito, ou melhor, latim vulgar

Mais de duzentos milhões gritando palavrões em vigor voraz

Falsificável, falsificador, falsídico, blasfêmico

São tantas etimologias cheias de neologismos que eu nem sei pensar

E com figuras de estilo eu vou me afogando no mar, voltando com as marés

Tudo o que disseram me machucou e o que eu posso fazer?

Minha língua morre à míngua - gesto de ver quebrar

Como se fosse mais fácil eu metaforizar

Como fez a Flor do Lácio que desabrochou

Como o rádio ouvindo sempre um coloquial

Tentando disfarçar a angústia de não saber e nem saber falar

Danilo Meiras